Desde o início da pandemia, duas redes de hospitais particulares compraram mais de 5 milhões de caixas de remédios comprovadamente ineficazes contra a covid-19, como cloroquina, ivermectina e hidroxicloroquina. É o que mostra uma compilação inédita feita pela Repórter Brasil a partir de documentos internos dos planos de saúde proprietários dos hospitais: a Prevent Senior e a Hapvida.
Os dados deixam claro que a prescrição seguiu ocorrendo mesmo após fabricantes de cloroquina terem divulgado notas não recomendando o medicamento para covid e seis meses depois de a Organização Mundial da Saúde (OMS) ter declarado a ineficácia da hidroxicloroquina. Relatos de pacientes mostram que medicamentos do chamado kit-covid seguem sendo receitados.
Uma das compras que mais chamou a atenção dos especialistas ouvidos pela reportagem foi feita pela Hapvida em março deste ano, quando foram adquiridos mais de 1 milhão de caixas de cloroquina – 15 vezes mais que o total comprado um ano antes, quando a pandemia estava no início e a eficácia do medicamento ainda era estudada.
No caso da ivermectina, a mesma operadora comprou entre março e abril deste ano mais de 800 mil caixas do remédio cujo uso para covid chegou a ser ironizado pela FDA, agência reguladora de medicamentos dos Estados Unidos. O remédio foi criado para tratar infestações por parasitas, como piolho e sarna.
Somadas as compras, daria para distribuir praticamente uma caixa de um dos medicamentos do kit para cada um dos quase 5 milhões de beneficiários das operadoras, visto que a Prevent tem 540 mil e a Hapvida, que domina o mercado no Nordeste, tem 4,8 milhões de pacientes.
Por trás dessa distribuição do chamado kit-covid pelas duas operadoras, havia uma pressão por parte da chefia de ambas para que seus médicos prescrevessem esses remédios e até um “pacto de silêncio” que orientava a equipe da Prevent a não informar ao paciente nem aos familiares quando se usava hidroxicloroquina. Há ainda denúncias de médicos que relatam punições por se negarem a receitar o kit sendo engavetadas, inação de conselhos da categoria e lentidão dos órgãos públicos responsáveis.